Destaques

22 maio 2022

A indiferença à Literatura


No dia do profissional de Letras público esta carta(?) desabafo não somente a fim de expurgar um incômodo latente, mas também de atingir, quem sabe, alguém. Pesquiso, escrevo e apresento trabalhos sobre o ódio à Literatura presente em jornais do século XIX. São bispos, maçons, padres e indivíduos conservadores, todos homens, preocupados com a moral do público, mas principalmente pelas ideias que um romance poderia incutir em mentes jovens e em mulheres. A influência que se acredita ter uma leitura para o comportamento de um indivíduo sempre foi alvo de preocupações de instâncias de poder. Atualmente, esta atenção ainda se faz presente, porém, não é sobre isso que gostaria de tratar neste texto. 

Para além de uma leitura prazerosa, escolhida para deleite ou distração, cada vez mais torna-se difícil trabalhar com livros e leitura. Instrumentalizar a leitura em sala de aula e realizar o estudo sobre Literatura é tarefa árdua e penosa. Não há motivação para a leitura em si. Não há lógica, na cabeça de quem está fora da universidade e dentro dela, o estudo sobre um texto tão antigo que não discorra sobre a profissão almejada ou sobre algo que a pessoa vivencia ou se identifica imediatamente. O posicionamento dos indiferentes à Literatura em sala de aula pautam-se em falta de tempo, falta de concentração ou falta de compreensão do texto. 


No entanto, mesmo oferecendo diferentes suportes para o consumo das narrativas, mesmo com a mediação de leitura e as explicações sobre as convenções literárias, ainda surgem as vozes de que "são muitas leituras", "não entendi nada do que li", "comecei a ler e desisti", aparecendo até mesmo aqueles indignados com o teor presente nos textos depois de realizar a leitura por um viés anacrônico. 


Dizem que a indiferença é pior do que o ódio. Como profissional de Letras, mais especificamente na área dos Estudos Literários, confirmo que o desprezo ao estudo do texto literário é, de fato, pior. Quando não se enxerga a validade de um estudo e tentam deslegitimá-lo ou subjugá-lo, atinge-se quem trabalha com isso e relega esses indivíduos a um fazer "sem sentido". Sinto-me dessa forma às vezes. E acredito que todo professor, principalmente da área de Humanas ou Linguagens, já se sentiu assim. 


Em tempos históricos como esses que estamos vivenciando, se não houver espaço para a Arte, para a Literatura, para a música, dança, teatro, para a Filosofia e Sociologia, e para o estudo e aprofundamento desses ramos do saber, sim, meu caro leitor preguiçoso, existem formas de conhecimento para além de disciplinas pragmáticas e quantificativas, que tipo formação humana, cívica e psicológica estaremos realizando?! Se o meu fazer se resumir a quantos itens de Literatura caem no Enem ou a quantos pontos essa leitura vale, que tipo de profissão estou seguindo? 


São tempos sombrios que pedem palavras de esperança, de afeto, de atenção, mas acredito que, mais do que nunca, é preciso também reconhecer onde estamos errando ou, pelo menos, onde podemos melhorar. Ainda assim, apesar de tudo, é mais do que uma honra trabalhar nesta área e poder alcançar, por meio das palavras, das histórias, do afeto e das reflexões literárias, meus alunos. Desejo apenas que tal fazer não se esgote.

27 agosto 2021

E quando não somos a protagonista do filme?


Sou apaixonada por filmes de comédia romântica estadunidenses. Não cresci assistindo Godard ou Martin Scorsese que muitos jovens adultos alternativos podem alegar que sempre assistiram. Foram os filmes com Jennifer Lopez, Drew Barrymore, Julia Roberts, Sandra Bullock e tantas outras atrizes esplendorosas que formaram toda a base romântica e idealizada desta pessoa aqui. Mulheres protagonizando aqueles filmes icônicos sobre um par romântico que se conhece de uma forma espontânea e inusitada e que sofre alguns percalços durante o relacionamento para, ao final, conseguir seu tão desejado final feliz. E o filme acaba nisso mesmo. Em um final de cores amenas, fotografia de comercial de margarina, com uma trilha sonora de superação, focando em sorrisos, podendo conter até balões esvoaçantes no take final. Era sempre um misto de alegria e choro ao final de cada filme, e as lágrimas talvez pudessem ser de pura emoção por uma história bonita chegar ao final, mas eram, principalmente, por ‘voltar à realidade’ de que eu não era essa protagonista, de que eu não conheceria um rapaz daquela mesma forma e de que ele não agiria daquele jeito comigo. Tendi a crescer achando que poderia ser a personagem principal do meu próprio filme, de que as atenções poderiam se voltar ao que eu estava fazendo ou sobre o que eu estava pensando, mas, no fundo, eu sabia que não me encaixava bem como protagonista de alguma coisa. Nunca fui magra, de cabelos ondulados e hidratados, naturalmente esvoaçantes, andando de saia ou vestido com algum sapato alto por alguma avenida tumultuada no centro da cidade. Eu não cabia naquele padrão que eu admirava tanto. Sim, eu aprendi a admirar aquelas mulheres, na verdade, aquelas personagens, não as atrizes em si, mas as performances de mulher, do ser feminino que elas representaram; só que, ao mesmo tempo, eu não era nada disso. Vivia em contradição. E em frustração. Eu, enquanto mulher heterossexual e cis, sofri anos e anos por sempre relembrar de que a minha vida e de como eu era não correspondia ao ideal dos grandes filmes com finais felizes, assim, não consigo nem imaginar como isso foi/era para mulheres gays, bis, assexuais, mulheres negras, gordas, enfim, todos os recortes identitários que não se encontram nos padrões hollywoodianos que aprendemos gostar (ou que somos forçadas a isso?). 


Como lidar com a ideia de não corresponder a determinado padrão e, portanto, chegar à conclusão de que eu não merecia aquele amor televisionado que eu tanto gostava de assistir? Como lidar com a frustração de não ser a garota perfeita ou ‘imperfeitamente perfeita’ que me fazia rir e me emocionar com suas histórias de superação amorosa? Como lidar com a ideia de que aquele rapaz apaixonante não vai me tratar daquela forma, pois, na minha cabeça, isso só acontecia com determinados tipos de garota em locais específicos de convivência? (Com certeza a periferia em que nasci e vivo não me deu exemplos semelhantes de histórias de amor como as dos filmes românticos, foram outras histórias, algumas de um amor inexistente, outras apenas violentas, e outras bonitas, mas não iguais). 


Revendo alguns desses filmes, a nostalgia de uma menina que cresceu sendo ‘irregular’ em vários sentidos, considerada feia e dispensável pelos meninos porque era gorda e não vestia as roupas da moda, ou considerada descartável pelas meninas que não gostariam de se aproximar de quem era muito diferente do que era considerado o comportamento ‘ideal’ para uma guria ‘popular’, me provoca um aperto no coração pela liberdade que não tive anteriormente, pelas ações que me propus a fazer apenas para agradar um outro ou pelos pensamentos limitantes que tive sobre mim mesma quando me via medida por uma régua que não era minha, que não me cabia. 


Escrevo com dó do meu passado um tanto turbulento em relação ao que eu esperava ser e nunca fui, porque eu simplesmente era outra coisa e estava tudo bem ser essa outra, eu só precisava me achar um pouco mais, as coisas iriam se encaixar. Com isso, não quero dizer que os filmes hollywoodianos foram os grandes algozes de minha sempre baixa autoestima, mas, vocês entenderam, né? (Digue lá, mulher cringe nascida nos anos 90, como eu). Hoje, não tem como reassistir esses filmes e não deixar de problematizar ou estranhar muita coisa no enredo e na caracterização dos personagens. É assustador. Ao mesmo tempo em que me sinto uma velha rabugenta, também acho que a consciência trazida por tantas leituras, tantas histórias ouvidas, tantos exemplos novos e mulheres outras para me inspirar, me faz alguém um pouco mais esclarecida sobre muita coisa, mas, principalmente, sobre mim mesma. E é sobre isso, né? Não tá tudo bem, mas sigamos na eterna desconstrução de Amélia (aliás, obrigada, Pitty, por sempre versar sobre coisas tão pertinentes para uma menina/adolescente que se encontrou em tua música e começou seu processo de desconstrução quando começou a te ouvir, junto a outras mulheres).

17 maio 2021

Circo dos horrores: autora paraense vence concurso e tem conto selecionado

Beatriz Chaves Messias vence concurso literário e tem conto selecionado para livro 


Obra conta com participação de diversos autores nacionais. Editora realiza financiamento coletivo para que livro tenha uma versão física. 


A estudante de Letras da Universidade Federal do Pará e escritora de Belém (PA), Beatriz Chaves Messias, ou simplesmente Bia Chaves, foi uma entre os vencedores do concurso literário “Circo dos Horrores” promovido pela Psiu Editora, que reúne contos de terror que tem como fundo o ambiente circense. “Foi minha primeira antologia de contos com a Psiu, e a primeira a trabalhar o gênero terror. Fiquei muito feliz com a aprovação e honrada em fazer parte tanto do projeto quanto do grupo dos autores da editora, que tem uma proposta inclusive, jovem e muito pertinente”, comenta. O conto de Beatriz, intitulado “Visão e o espelho”, conta sobre o protagonista Joel, um homem que exerce o ofício de faxineiro num Circo, mas ignora que o lugar esconde um tenebroso segredo. Mas esse é apenas um dentre muitos contos aterrorizantes que integram a antologia. Além de participar de “Circo dos Horrores”, Beatriz também está confirmada em três outros projetos da Psiu, as antologias de contos “3021” e “Além dessa Vida”, e a antologia poética “Simplesmente, Elas”. Também teve crônicas aprovadas em duas antologias poéticas da Editora Pé de Jambo, e uma crônica no projeto literário “Crônicas Paraenses”, organizado pela Professora Jeniffer Yara, numa iniciativa aprovada pela lei Aldir Blanc. E fora os projetos coletivos, a autora também publicou seu primeiro livro solo em 2020, intitulado “Encontros”, pela Editora Caseira, que conta com minicontos ilustrados por quatro artistas paraenses: Ana Lúcia dos Santos Ribeiro, Dávison Queiroz, Gabriel Conceição Sousa e Roberto Moreira Noronha Reinno. E de volta à antologia: “O ambiente do circo tem uma magia encantadora para muitas pessoas e na antologia ‘Circo dos Horrores’ temos a intenção de desconstruir essa relação infantil e lúdica do circo, com situações pavorosas. Escolhi os contos a dedo, apenas os melhores, e esse livro é um pro cheio para os amantes do terror”, comenta Kimberly Trindade, escritora e organizadora da antologia. 


FINANCIAMENTO COLETIVO 

Para que haja uma versão impressa do livro “Circo dos Horrores” a Psiu Editora, em parceria com os autores, estão realizando um financiamento coletivo, também conhecido como vaquinha virtual, com valor de começar a partir de R$ 15. “´É importante que a literatura nacional, jovem e independente seja difundida e valorizada, em especial no gênero terror, ainda muito subestimado atualmente”, finaliza Beatriz. O financiamento coletivo pode receber apoios até o dia 26 de maio de 2021. Para saber mais sobre segue o link: https://www.catarse.me/circodoshorrores

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